O Céu

© Raymond Depardon / MAGNUM, Paris .
Era por aí que se devia ter começado: o céu.
Janela sem parapeito, sem caixilho, sem vidros.
Abertura e nada mais, para além dela,
de par em par aberta todavia.
Não tenho que esperar uma noite calma
nem de levantar a cabeça
para olhar o céu.
O céu tenho-o à mão,
atrás de mim, nas minhas pálpebras.
Hermeticamente, o céu me envolve
e me levanta do chão.
Nem mesmo os mais altos cumes
ficam mais perto do céu
que os vales mais profundos.
Em lugar algum ele existe mais
que nalgum outro.
E em rigor tão coberta de céu está a nuvem
como o túmulo.
Tão do céu é a toupeira
como a coruja de asas lestas.
E coisa que caia em precipício
cai do céu para o céu.
Soltos, fluidos, rochosos,
coruscantes e etéreos
abas de céu, sobras de céu,
sopros de céu e medas.
O céu é omnipresente
até nas escuridões sob a pele.
Eu como o céu, expulso o céu.
Eu sou armadilha na armadilha,
o habitante habitado,
o possuído da posse,
pergunta em resposta a uma pergunta.
Dividir em terra e céu
não é a maneira certa
de pensar nesta unidade.
Permite- me apenas viver,
em morada mais exacta,
mais rápida de encontrar
se eu fosse procurada.
Os meus sinais particulares
são o fascínio e o desespero.
Wisława Szymborska
EmPaisagem com grão de areia, Relógio d’Água, Lisboa, 1998.
3 Comments:
ehe, fogo, tb tive técnicas de tradução de inglês e nunca interpretei poemas do e.e. cummings, ou dela, fogo, que sorte a tua!! que bom!!
a tradução que tinha deixado era brasileira, deixei agora a portuguesa. mas vendo bem agora, gosto muito mais da brasileira, tá mais solta, parece que tá menos presa ao original. tb não sei nada de nada da língua de Szymborska. por isso, posso estar a dizer um grande disparate. é só a minha intuição que o diz.
olha, saiu mais recentemente (no ano passado, salvo erro), pela Cavalo Ferro, uma antologia só com poemas dela, não sei se já deste uma espreitadela. :-)))
Txiiiii, eheh, já tou ver a figura. adorei o pormenor do lápis.hehe.
quanto ao poema, fogo, parece que não, mas não é assim tão simples de ser analisado. o que deixaste aqui é so uma parte dele, porque ele bem maior.
depois, não dá explicar, porque eu sinto os poemas, nao os explico. ou seja, hehe, o poema tem de me dizer alguma coisa, tocar em segredo, estremecer a alma, como costumo dizer.
cada um pega o poema, faz a sua interpretação. é como fosse um cubo, agora escolhesses que ele fosse "azul", até pode ser bem preto, só que o viste "azul".
voltando ao poema, a pedra pode ser um mundo de possiblidades. pode ser um ícone, ou uma pedra de uma catedral? pode até não ser nada disso. no poema, o sujeito poético exige fazer parte de uma realidade que não é humana; quer entrar na pedra, quer conhecer o interior da pedra, só que a pedra vai dizendo que lhe falta o sentido de participaçao, terminado por dizer que "não tem porta". a pedra acusa-nos de nós não termos o sentido de participaçao?
No fundo, ela deu voz à pedra, marcou a sua passagem. Agora, podemos levar a "pedra" para tantos lados.
Dueto, não me agradeças,a sério. Gosto mesmo de partilhar,. E gosto muito de feedback. Às vezes, o meu blog é a tal "pedra", falo com ele, mas ele não me diz nada. eheh eu bem insisto, só que ele não quer nada. Daí a errância. O meu pensamento erra muito .ehehe
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