segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Sublinho

É sábado, alguém compra uma parafernália de brindes que acompanham habitualmente os nossos jornais. Em particular, livros, discos, DVD. Nos últimos tempos, são sobretudo discos. Anteontem houve um jornal que lançou uma breve selecção de peças de Chopin (os concertos para violino?). Hoje outro jornal da concorrência, que propõe uma série de discos dedicados a compositores, e aparece também o nome de Chopin.

O comprador de sábado que está antes de mim analisa as diversas ofertas e diz: "Chopin? Já tenho!" Nem se dignou a ver o que se tocava, nem quais eram os intérpretes. Viu Chopin e concluiu de imediato: já tenho.

É interessante notar o que está aqui em jogo: o prazer da colecção. Mas não só. O que este comprador pretende é ter qualquer coisa que lhe dê a sensação de que o mundo todo do saber e do prazer da música está à sua disposição. Coleccionar é poder reunir aquilo que figuras desconhecidas nos dizem ser o essencial. O resto é secundário. Nenhum prazer da descoberta. Nenhum gosto da audição infinita. Nenhuma deambulação no mundo da música. Apenas o aspecto enciclopédico de quem tem uma estante com os livros essenciais, e os discos, e as reproduções, e os filmes. Em certa medida, é o saber que se joga contra a morte. Fazer uma colecção é impedir o sem limite da morte, é concentrar aquilo que na cultura nos irá proteger. Seja coleccionar moedas ou discos com a música que não se pode perder. Cada moeda perdida destrói-nos um pouco mais. Uma moeda, uma letra, um som.


por Eduardo Prado Coelho, hoje, no Público.