Movimentação Errática
"(...)De que é que Rimbaud estava à espera para mostrar o seu modo implacável de fugir de casa? Apareceu, sim senhores, mas exactamente quando já desaparecia. É assim que se está a ver a história da "aventura espiritual da poesia Ocidente": Rimbaud deu dois exemplos, e o segundo anulava o primeiro. Quando as pessoas chegaram ao primeiro, acharam-no bom, e ficaram nele. Então, esqueceram que havia o segundo. Este último cancelava as iluminações ou as épocas no inferno (tanto faz) como um "erro". O silêncio é que deveria ter sido o ponto de partida para a experiência espiritual da modernidade. O erro monstruoso do surrealismo foi consagrar Rimbaud como autor de uns fulgurantes sinais referidos a Prometeu. Ele tinha o rosto em brasa, foi o que os surrealistas viram. Não viram Harrar, onde ele não escrevia senão algumas cartas ausentes (Je règne par l' étonnant pouvoir de l'absence"-Victor Segalen).
Os dadaístas, por exemplo, estavam a utilizar o impossível para destruir tudo, e não acreditavam na "aventura interposta". Mas lá aparece Monsieur Breton a dizer como era. Foi o desastre que se não quer saber. Que se havia de fazer, depois disso? Foi-se fazendo, claro. Agora é o que se vê. Há duas coisas que dois impulsos procuram apresentar e representar:
a)Levar a linguagem à carnificina, liquidar-lhe as referências à realidade, acabar com ela- e repor o silêncio.
b)Fingir escolarmente que não aconteceu nada- e escrever poemas cheios de honestidades várias e pequena digitações gramaticais, com piscadelas de olho ao "real quotidiano". Aqui, o autor diz: desculpe, sr. dr, mas: merda!
Eis que em 1968 o autor, que é um simples habitante forçoso de confusão destas coisas, acaba o seu poema, e pergunta: Vou para férias?
Não é verdade que isto é pura esquizofrenia? Não estarei eu bastante maduro e ruidosamente pronto para o silêncio? - E então não escreveu mais no seu poema. A situação não lhe parece da "partida", mas de "chegada".
Em 1930, Jorge Luís Borges deliberava: "a literatura é uma arte que sabe profetizar aquele tempo em que terá emudecido, encarniçar-se com a própria virtude, enamorar-se da sua dissolução e encontrar o seu fim". Mas isto é ainda atravessado por uma vertigem "literária". Em 1971, meus amigos, já estamos para além do fim.
Herberto Helder, Luanda, 14. Set.71, em "Caliban" 2.
Os dadaístas, por exemplo, estavam a utilizar o impossível para destruir tudo, e não acreditavam na "aventura interposta". Mas lá aparece Monsieur Breton a dizer como era. Foi o desastre que se não quer saber. Que se havia de fazer, depois disso? Foi-se fazendo, claro. Agora é o que se vê. Há duas coisas que dois impulsos procuram apresentar e representar:
a)Levar a linguagem à carnificina, liquidar-lhe as referências à realidade, acabar com ela- e repor o silêncio.
b)Fingir escolarmente que não aconteceu nada- e escrever poemas cheios de honestidades várias e pequena digitações gramaticais, com piscadelas de olho ao "real quotidiano". Aqui, o autor diz: desculpe, sr. dr, mas: merda!
Eis que em 1968 o autor, que é um simples habitante forçoso de confusão destas coisas, acaba o seu poema, e pergunta: Vou para férias?
Não é verdade que isto é pura esquizofrenia? Não estarei eu bastante maduro e ruidosamente pronto para o silêncio? - E então não escreveu mais no seu poema. A situação não lhe parece da "partida", mas de "chegada".
Em 1930, Jorge Luís Borges deliberava: "a literatura é uma arte que sabe profetizar aquele tempo em que terá emudecido, encarniçar-se com a própria virtude, enamorar-se da sua dissolução e encontrar o seu fim". Mas isto é ainda atravessado por uma vertigem "literária". Em 1971, meus amigos, já estamos para além do fim.
Herberto Helder, Luanda, 14. Set.71, em "Caliban" 2.
2 Comments:
Camara Lidia,
esse cocktail molotov de Herberto, Rimbaud, Breton e esquizofrenia e absolutamente explosivo.
Em parte,a ideia era essa..Só que há ainda mais explosivos.
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