terça-feira, maio 31, 2005

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade.

segunda-feira, maio 30, 2005

L'homme qui aimait les femmes



E este aqui, de que filme é, Fran? Se tu acertares logo, estás "obrigado" a escrever pelo menos uma linha sobre o que ela está a ver. (eheh)


muito obrigada C.

soft black star


A sala 1 da Casa de Música encheu-se ontem para receber Antony and the Johnsons. Dizem que ele é um anjo, eu digo que ele é um "soft black star", que vive numa nuvem de androginia e ambiguidade, tanto visualmente como pelas as suas canções. Dizem que a sua voz está entre Nina Simone/Jeff Buckley/ Brian Ferry, eu digo que ele tem uma voz esquisita, que soa muito esquisito e ao mesmo tempo tão pura, tão única, tão dele. A mim parece-me, várias vezes, que é um choro para dentro, se calhar gosto de ver assim, mais dentro ainda. As canções são todas tristes, não se esperava outra coisa, contei uma série de vezes a palavra "loneliness". Vestido todo de preto, somente com os seus antebraços de branco, começou a contar "My lady story", passou por "Twilight", "Divine", Fistful of love", "You Are My Sister","Man is the baby", de uma forma intensa, doce, intimista, de uma forma ricamente simples. "One day I’ll grow up and be a beautiful woman" canta ele, na canção poderosa "For Today I Am A Boy". Entretanto pediu a nossa colaboração, um certo ritmo de palmas, ao som das suas palavras "water and dust".Contava pelo menos uma cover, e tal aconteceu. A interpretação de "The Guests", de Leonard Cohen foi tão bonita, tão bonita,que imagino como seria se ele interpretasse tantas outras do Cohen. Como esperado, fechou o concerto, antes dos dois encores, com "Hope there's someone", só podia terminar com estes versos fortes: "Hope there’s someone who’ll take care of me/When I die" e com um "hope" enorme. Voltou para "Candy says" (dos Velvet Underground) e para contar que gostou muito do rio Douro, tudo com muita piada pelo meio, e que gostava de viver aqui, antes de cantar por último "River of Sorrow". Valeu bem a pena ver esta "estrela".


Escrever a correr dá nisto, pode o texto ficar manco. Agora dou conta que injustamente nem uma linha escrevi sobre a banda, e focalizei-me muito em Antony.
Antony esteve tão bem, porque ele também tinha uma banda que o acompanhou lindamente.

Outro ponto de vista sobre o concerto aqui.

domingo, maio 29, 2005

para chorar



Hoje não quero nem posso perder Antony and the Johnsons na Casa da Música, às 23 horas.

o teatro dos decemberists



Hey Ale, aqui também decido pelo teologal silêncio.

o ano da orquídea


(c) Georgia O'Keeffe, Sunflower.

E não um ano, nem dois, nem três, mas mais laranjas, orquídeas e sol todo os dias. Parabéns!

sonhos não trocados

Gosto muito de textos sobre sonhos, de todas espécies, feitios , cores e tamanhos, sonhos acordados, semi-acordados, sonhados, vigilantes, sonhos simplesmente. E quando os sonhos são mesmo sonhados pela noite adentro ou não, tento imaginar qual seria o backward antes do rápido movimento de olhos, fechar.

O backward aqui foram algumas páginas de Walser.No entanto, houve aquele fenómeno de memória proustiano, de que fala tão bem às tantas Enrique Vila-Matas no seu Mal de Montano e o que houve realmente foi um encontro no Equador com Henri Michaux, onde Walser vendia chocolate quente numa confeitaria, em que Enrique Vila-Matas frequentamente visita todas as manhãs e e e e e e e

Bem, falando ainda em sonhos, dificilmente lembro-me dos meus sonhados, mas hoje lembro -me. Ontem sonhei que estava num espaço largo quase antonioniamente zen, meio escuro, e estava à porta de um elevador e muita preocupada porque não sabia a minha password, tinha esquecido por completo. cada um precisava de uma password para descer pelo o elevador. era para descer. acho que não subi nem desci, fiquei no mesmo lugar. ou não me lembro de mais. é o último.

sábado, maio 28, 2005

aim for a smile

matiné




"This place must be a painter’s dream"

Walden


"As the weather grew warmer [the ice] was not sensibly worn away by the water, nor broken up and floated off as in rivers, but, though it was completely melted for half a rod in width about the shore, the middle was merely honeycombed and saturated with water, so that you could put your foot through it when six inches thick; but by the next day evening, perhaps, after a warm rain followed by fog, it would have wholly disappeared, all gone off with the fog, spirited away."
H. D. Thoreau, Walden, capítulo 17.


Walden ou a vida nos bosques, de Henry D. Thoreau, editado pela Antígona é o livro que pretendo comprar na Feira do Livro deste ano.
É este, Fran.

sexta-feira, maio 27, 2005

A receita de I-pod para salvar casamentos

quinta-feira, maio 26, 2005



(c)Dorothea Lange, The Road West, 1938

apontamento

Volto a sublinhar que o mais recente álbum de Smog é obrigatório para os fãs de Bonnie "Prince" Billy" (visto há dias surfando nas ondas de Espinho).

trip na arcada

75ª Feira

São mais de 70 mil títulos e eu só vou comprar um. Compra pensada meticulosamente.

i don´t know why

Jane Campion já venho informar que vai trazer para a tela a história de Piano Man . Já estou a ver: O pianista anjo ou O anjo pianista.


Muita obrigada, Zazie :-)(infelizmente sem link).

Passagens

"Le bonheur n'est pas gai."
Maupassant
(citado em Le Plaisir de Max Ophuls)

Canto de primavera

Atrás da cerca havia
um limoeiro-era nosso-
Os seus frutos amarelos brilhavam como lanternas,
as flores espalhavam o seu perfume no bairro.
Atrás da cerca havia
um limoeiro-era nosso!-
Mas era preciso enfeitar a filha da minha Censura,
que a sua cabeleira fosse perfumada e tivesse...um diadema.
Então cortaram os nossos limoeiros
e a primavera tombou-nos dos olhos!

Mahmud Darwich, O Jardim Adormecido e outros poemas, selecção e tradução de Albano Martins, Campo das Letras.

Nick Drake, A Treasury





"Place to be"

quarta-feira, maio 25, 2005

Theodore, A Summer She Has Never Been, A Winter She Fears



"I Dreamt I Was Throwing Stones At The Sea"

terça-feira, maio 24, 2005

planos



A meu ver, em "Um Homem Sem Passado", de Aki Kaurismaki, há um plano não americano que fica a faltar, aquando da cena do jantar entre o homem sem passado,o seu cão Hannibal (lindo nome para cão) e a empregada da cantina. Essa cena seria a do anel de noivado feito pela argola da lata de atum, que não se abriu no jantar.

para reflectir

Dizem que o blogue é um óptimo meio para contar os quotidianos. Dizem também que o blogue é uma espécie de diário, em que quase ninguém conta se está ou deixar de estar doente. Na verdade, é mais uma espécie de diário de doentes com o "Mal de Montano".
Dizem também que os posts mais confessionalistas são os que têm mais share na caixa de comentários. Dizem muita coisa. Bem, tudo isto para concluir que já fiz todas pré-pós-conclusões e vou começar aqui mesmo, 21h30, os meus posts confessionalistas.

Eu tenho um frigorífico branco de um metro meio-alto, com porta superior e com porta inferior.(outra coisa que já dei conta, ou seja, ninguém fala do seu frigorífico).Na porta inferior, tenho pelo menos três alfabetos em ímans, a letra L é que tem a cor mais bonita. Na porta superior, há espaço para se fazer um verso ou dois versos com os ímans. Para ainda ficar mais confessionalista, o verso de hoje é este:"Nascer é muito comprido".

universos desfeitos

Foi com muita pena que fiquei a saber há pouco que os universos vão ser realmente desfeitos no fim deste mês. mas porquê destruir? Ia até aos universos ler os textos de Juraan Vink, tantos outros textos de poetas,de escritores, alguns deles que foram descobertas para mim. Era o primeiro blogue que buscava para ler poesia. E por isso tudo, e foi pouco o que disse, só posso dizer "muita obrigada" pelo trabalho louvável que Juraan Vink teve nos universos desfeitos. Agora nos primeiro dias com Insónia.

e tudo isto porque está sol



Nesta semana, a errância transformou-se em jukebox. Depois de Jaga Jazzist( sonoridade intensamente fílmica), Antony & The Johnson's (genialmente original), Colleen (sonoridade muito zen), Emiliana Torrini ( melancolicamente bela), há mais uns tantos, tantos, tantos que fazem parte dos meus dias e que vão passar, alguns, por aqui em mp3. Infelizmente, outros tantos não vão cá estar porque não é fácil encontrá-los disponíveis na internet. Um deles é o meu último vício. É o último de Smog - A River Ain't Too Much To Love. Estou completamente apaixonada, rendida, agarrada, absorvida por este rio, que bem podia fazer parte de um road-movie.

Emiliana Torrini, Sunny Road



Colleen,The Golden Morning Breaks




"Floating In The Clearest Sea"

Lindo de morrer! Só isto.

segunda-feira, maio 23, 2005

Antony & The Johnsons, I Am A Bird Now

sábado, maio 21, 2005

Jaga Jazzist, A Livingroom Hush




"Airborne"

Como é que uma música pode ser tão visual?
Há todo um filme dentro dela.


E o novo álbum já cá canta.
nothing matters but the quality
of the affection-
in the end -that has carved the trace in the mind
dove sta memoria –

Ezra Pound, The Cantos

e três vezes a bicicleta caiu





Father and Daughter, de Michael Dudok de Wit
é só a minha curta de animação, de eleição. Conta-se a história de um pai que diz muito cedo adeus a uma filha. Na sua infância. A filha passa dias, anos, estações, na expectativa que o pai volte. A curta é belíssima. É perfeita.
Há pouco tempo é que dei conta das ligações desta curta de animação com Robert Bresson.

muita obrigada

segunda-feira, maio 16, 2005

XXX

Everything must converge,
In time
And so it goes, by and by.

Everything must converge,
Some day,
Somehow, some way...

Everything must converge,
In time,
Or so it seems and by and by,
Every little thing must converge,
It's true,
By and by and so they say...

Like the river that runs to the sea,
Like the sun going down on me...

Everything must converge,
One day
But I hope,
And I pray
That everything must converge,
It's true,
In time,
For me and you
Like the river that runs to the sea
Like the sun going down on me.

Everything... must converge
Everything... must converge
In time
In time
In time

Nick Cave & The Bad Seeds.

30


(c)Nan Goldin.

domingo, maio 15, 2005

Ver e Ler Ler e Ver

Passagem

Fragmentos

Eles têm alguma ligação entre si?- perguntou-me A.M. Respondi-lhe que são fragmentos do real e do imaginário aparentemente independentes mas sei que há um sentimento comum costurando uns aos outros no tecido das raízes. Eu sou essa linha.

Lygia Fagundes Telles, Confissão de Leontina e fragmentos, Ediouro.

Far Cry



Da selecção de fotografias que Paulo Nozolino trouxe para Serralves, há uma pequena parte dos seus 30 anos de fotografia, de viagens que o levou a vários sítios e da sua vida privada. A guerra, a morte, a decadência, o medo, a solidão pautam as suas fotografias escuras, sempre com a luz do grão.
"Não posso salvar uma época. Limito-me a constatar a sua perda, sem nostalgia, resistindo à desmemoria, à frivolidade e ao ressentimento. Sinto-me a viver um pós-guerra qualquer, onde alguns homens tentam reencontrar a sua dignidade, escutando o grito profundo que há dentro deles. A tempo de compreender a vida, antes de a perder" foca o fotógrafo.
No fim da exposição, lê-se algumas frases retiradas de um texto de Rui Nunes,numa parede cinzenta, eis como: "Esta alma ama os destroços", "O choro é sempre um lugar incerto", "Temos medo/Temos sempre medo/ nem a palavra que dizemos em voz baixa nos acompanha". Lê-se por último: "Não há fuga".

Aqui fica o retrato do fugitivo.

Retrato de Fugitivo

ele caminha pela solidão nocturna dos quartos de hotel
e de fotografia em fotografia chega exausto
ao minucioso poema a preto e branco
mas já não o surpreende a violenta visão do mundo
este lento destroço que um liquido sussurro de prata
revela a partir de iluminada fracção de segundo

e bebe
e ama

e foge de si mesmo
com a leica pronta a ferir como uma bala ecoando
no fundo da memória um néon uma pedra
uma arquitectura de luz e sombra ou um deserto
onde se debruça para retocar os dias com um
lápis
na certeza que sobrevirá a estes perfeitos acidentes
a estes restos de corpos a pouco e pouco turvos
pelo tempo pelo sono ou pela melancolia

mas regressa sempre à transumância das cidades
quando a alba do flash prende o furtivo gesto
sobre o papel fotográfico morre o misterioso fugitivo
depois
vem o medo
que se desprende do olhar imobilizado
e do rosto fotografado
nasce uma vida de infinito caos


Al Berto, O medo, Assírio & Alvim.

Film




Film (1963)
- de Samuel Beckett,dirigido por Alan Schneider,com Buster Keaton-disponível aqui para download.

sábado, maio 14, 2005


(c) Saul Steinberg, Girl in Bathtub, 1949.

o tempo dos blogues

Já andei a googlar, e muito, a meio de encontrar um blogue, todo ele escrito com a data de 3001. Não achei. Certamente alguém já pensou em escrever um blogue, como estivesse no outro século adiante, faz de conta, séc. XXV, agora saber onde pára esse blogue, não sei.

Há um blogue que acompanho todos os dias e que faz parte do meu top five, só para ler no dia de hoje o que era escrito em mil oitecentos e picos e não só.

Em 11 de Maio de 1854:
My errand this afternoon was chiefly to look at the gooseberry at Saw Mill Brook.

a minha terra


os famosos laranjais de Nova Iguaçu.

Em 2003, a cidade Nova Iguassú (antiga grafia de agora Nova Iguaçu) comemorou 170 anos. Nova Iguaçu foi conhecida internacionalmente por um rico ciclo da laranja, inspirando inclusive ao poeta Jarbas Cordeiro dar-lhe o título Cidade Perfume. Cidade Perfume porque os laranjais, em floração, perfumavam os ambos lados do trem, o território iguassuano.
Claro que não só esse facto preenche a história da cidade, foi também em Nova Iguaçu que nasceu a primeira fábrica de canetas do Brasil.

Quando me perguntam onde nasci, digo sempre que nasci na terra dos laranjais e das canetas.

Truffaut

O ciclo dedicado a obra integral de François Truffaut começa já no dia 17 e ficará até ao dia 17 de Junho na Cinemateca de Lisboa. É para ficar com tanta inveja mesmo.

Entre outros de Truffaut, gostava muito de rever "Baisers volés", especialmente por esta cena passada no jardim:





François Truffaut era cinéfilo desde os 16 anos.


"I still ask myself the question that has tormented me since I was thirty years old: Is cinema more important than life ?"
François Truffaut.

quinta-feira, maio 12, 2005

linhas de comunicação







(c) Saul Steinberg.

Adoro todo o trabalho de Saul Steinberg.

Twenty-Four Hours

So this is permanence, love's shattered pride.
What once was innocence, turned on its side.
A cloud hangs over me, marks every move,
Deep in the memory, of what once was love.

Oh how I realised how I wanted time,
Put into perspective, tried so hard to find,
Just for one moment, thought I'd found my way.
Destiny unfolded, I watched it slip away.

Excessive flashpoints, beyond all reach,
Solitary demands for all I'd like to keep.
Let's take a ride out, see what we can find,
A valueless collection of hopes and past desires.

I never realised the lengths I'd have to go,
All the darkest corners of a sense I didn't know.
Just for one moment, I heard somebody call,
Looked beyond the day in hand, there's nothing there at all.

Now that I've realised how it's all gone wrong,
Gottas find some therapy, this treatment takes too long.
Deep in the heart of where sympathy held sway,
Gotta find my destiny, before it gets too late.

Joy Division, Closer.

learning peacefulness

The tulips are too excitable, it is winter here.
Look how white everything is, how quiet, how snowed-in,
I am learning peacefulness, lying by myself quietly
As the light lies on these white walls, this bed, these hands,
I am nobody; I have nothing to do with explosions.
(...)

Sylvia Plath, "Tulips".

quarta-feira, maio 11, 2005

os errantes - II


(c)Raymond Depardon, "Errance".

"Qu'est-ce que je fais là?"

cinéma

"Le cinéma substitue à notre regard un monde qui s'accorde à nos désirs."
André Bazin.

mer

"Mãe, que é que é o mar, mãe? Mar era longe, muito longe dali, espécie de lagoa enorme, um mundo d'água sem fim. Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. 'Pois mãe, então o mar é o que a gente tem saudade?'

Guimarães Rosa, Campo Geral.

passos de frases

os livros que carrego estão dentro de mim, crescem comigo.
caminho com os livros, cruzo e descruzo frases.
apanho os títulos nos cascos das árvores. percorro as epígrafes nas pontes. encontro frases em degraus de casas. desdobro badanas nas portas. dislumbro metáforas no céu. vejo vírgulas nas esquinas. busco imagens nos olhares, nos gestos, nos rostos, de quem passa. leio a voz no vento. alcanço o parágrafo no prédio. contorno pontos de exclamações em rotundas. busco pontos finais em avenidas. espreito a poesia na janela. sigo o tempo em cada passo.
caminho com todos eles, por entre tanta folha lida, há sempre uma frase,um verso, um poema que me assaltam no caminho.

planos

Em "cuidado com essa puta sagrada", Fassbinder numa varanda de costas. Um plano geral partido, como fosse uma linha do horizonte. Branco, na parte superior. Mar, na parte inferior.

Henri Cartier-Bresson, Gyor, Hungary, 1964

Acho que esta fotografia merecia um poema épico, mas sou eu a achar.

terça-feira, maio 10, 2005

The Mystery of Pain

Pain has an element of blank;
It cannot recollect
When it began, or if there were
A day when it was not.

It has no future but itself,
Its infinite realms contain
Its past, enlightened to perceive
New periods of pain.


Emily Dickinson.

(c)Sean Kernan, Umbria, Italy.

Um passeio entre árvores.

memória

jogos literários

Pedro Paixão não sabe jogar snooker.

Agustina Bessa-Luís não sabe patinar.

Rui Nunes não sabe jogar badminton.

de epitáfios

O "Epitáfio" de Luiza Neto Jorge é o "meu" epitáfio.

aforismo científico

No documentário, que passou há dias sobre a escritora Agustina Bessa-Luís na tv, às tantas, ela dizia: "a literatura está em vias de extinção."

House Where Nobody Lives

There's a house on my block
That's abandoned and cold
Folks moved out of it a
Long time ago
And they took all their things
And they never came back
Looks like it's haunted
With the windows all cracked
And everyone call it
The house, the house where
Nobody lives

Once it held laughter
Once it held dreams
Did they throw it away
Did they know what it means
Did someone's heart break
Or did someone do somebody wrong?

Well the paint was all cracked
It was peeled off of the wood
Papers were stacked on the porch
Where I stood
And the weeds had grown up
Just as high as the door
There were birds in the chimney
And an old chest of drawers
Looks like no one will ever
Come back to the
House were nobody lives

Once it held laughter
Once it held dreams
Did they throw it away
Did they know what it means
Did someone's heart break
Or did someone do someone wrong?
So if you find someone
Someone to have, someone to hold
Don't trade it for silver
Don't trade it for gold
I have all of life's treasures
And they are fine and they are good
They remind me that houses
Are just made of wood
What makes a house grand
Ain't the roof or the doors
If there's love in a house
It's a palace for sure
Without love...
It ain't nothin but a house
A house where nobody lives
Without love it ain't nothin
But a house, a house where
Nobody lives.


Tom Waits

Passagem

Depois do concerto de Laurie Anderson, voltei a ler a balada do café triste de Carson McCullers.

“Se uma pessoa descer a rua principal numa tarde de calor de Agosto, não encontra absolutamente nada que fazer. O edifício maior, no centro da povoação, foi entaipado e encontra-se de tal maneira inclinado para a direita, que parece prestes a cair de um momento para o outro. A casa é muito antiga. Tem um aspecto estranho e arruinado que intriga, até que, de súbito, se percebe que há muito tempo, o lado direito da varanda esteve pintado e também parte da parede, mas o trabalho não chegou a ser concluído e, por isso, uma parte da casa é mais escura e soturna.”

Carson McCullers,A Balada do Café Triste.

pensamento da hora

people are either charming or tedious...

em lady windermere´s fan, de oscar wilde.

não gosto de comparações

como tivesse saído de um café meio abandonado, no meio do nevoeiro, para o meio da rua, e ainda tivesse tempo de reparar no homem de olhos azuis que lia henry james, na esplanada do café à frente.
ou como tivesse entrado num cinema, no meio da hora, para ver um rosto a chorar.

os pensantes do autocarro

Cada vez que entro num autocarro, parece que abro um livro que conta a história de cada um. Não sei se alguém já fotografou, eu já pensei várias vezes em fotografar quem anda nos autocarros, especialmente algumas pessoas. Enquanto não o faço, vou registando mentalmente: a mulher, toda vestida de preto e rosa,com os olhos pousados entre o rosto de uma mãe e de uma criança, que trocavam carinhos; a freira, com lábios muito bem pintados de cor de vinho, que lê com uma expressão de testa muita profunda, a revista "Maria"; a jovem adolescente com o rosto colado no vidro do autocarro;...
Também não é tão difícil seguir o meu olhar à velocidade que é exigida e registar um rosto, um corpo, um comportamento que está ali na rua.
Mas o que não falta mesmo, autocarro que é autocarro, é a competição entre os velhinhos, do género: "a minha coluna mais parece um "s" mal feito", diz o outro, "a minha coluna mais parece ondas de um mar bravo", e pronto, ficam nisto até mudarem para a segunda divisão. Mas o que gosto de observar são os que ficam absortos, com um olhar distante, e eu a inventar pensamentos.

depois de Laurie Anderson,

NICK CAVE! PIXIES!

10 segundos

Gostei muito da teoria da pontuação de Laurie Anderson. Ela queria que estivessem antes de pontos finais, mostradores de relógios, relógios no fim de cada frase, que indicassem o tempo que se demorou a escrever a frase. 10 segundos.

truth

Estamos na hora errada e no sítio errado.

dicionário muito miau

Ainda não encontrei o tal dicionário de 500 palavras, agora já dei com um de gatos.

semelhança

Em "the end of the moon", Laurie Anderson, com o seu território cheio de velas, conta-nos que soube que a sua cadela, de raça rat terrier, podia compreender 500 palavras. E por isso mesmo, foi até às montanhas com a sua Lolabelle, para entender melhor o que era isso de compreender 500 palavras. Entretanto, no passeio, a sua cadela é atacada por dois falcões, "pela primeira vez via aquela expressão de medo nela". A partir de entao, Lolabelle começou a ter um andar estranho, tanto olhava para o céu, como farejava o chão. Tal comportamento a artista o assemelhou ao que encontrou na pessoas de Nova Iorque, depois do 11 de Setembro. Ficaram sempre a olhar para cima, porque afinal o perigo podia vir do céu...

segunda-feira, maio 09, 2005

em loop

domingo, maio 08, 2005

Passagem

" Vou agora escrever uma coisa de maior importância: Brasília é o fracasso do mais espectacular sucesso do mundo. Brasília é uma estrela espatificada. Estou abismada. É linda e nua. O despudoramento que se tem na solidão. Ao mesmo tempo fiquei com vergonha de tirar a roupa para tomar banho. Como se um gigantesco olho verde me olhasse implacável. Aliás Brasília é implacável. Senti-me como se alguém me apontasse o dedo: como se pudessem me prender ou tirar os meus documentos, a minha identidade, a minha veracidade, o meu último hálito íntimo. Ai se o Rádio Patrulha me pega e me sova! Aí eu lhe digo a pior palavra da língua portuguesa: sovaco. E eles caem mortos. Mas, para ti, meu amor, sou mais delicada e digo baixinho: axilas..."


Clarice Lispector
, A descoberto do Mundo.

Asleep on a Sunbeam



When the half light makes for a clearer view
Sleep a little more if you want to
But restlessness has siezed me now, it’s true
I could watch the dreams flicker in your eyes
Lying here asleep on a sunbeam
I wonder if you realise you fascinate me so

Think about a new destination
If you think you need inspiration
Roll out the map and mark it with a pin
I will follow every direction
Just lace up your shoes while I’m fetching a sleeping bag, a tent...
Another summer’s passing by
All I need is somewhere I feel the grass beneath my feet
A walk on sand, a fire I can warm my hands
My joy will be complete

I thought about a new destination
I’m never short of new inspiration
Roll out the map and mark it with a gin
Made my plans to conquer the country
I’m waiting for you to get out of your situation
With your job and with your life

All I need is somewhere I feel the grass beneath my feet
A walk on sand
A fire, I can warm my hands
My joy will be complete


Belle And Sebastian, Dear Catastrophe Waitress.

que " caminhos estranhos o conduziram a ela"


Pickpocket, Robert Bresson

time and beauty



"Who taught you what beauty is?"

"Spring, fall, a coughing/fit overcomes/the puppeteer" (o haiku favorito)

"It was always going to be this way from now on. We had passed through a door and we would never be going back."

"Sometimes I think I can smell light."


Agora, com "The End of the moon", fiquei certa de que Laurie Anderson é uma poeta.

quinta-feira, maio 05, 2005

nunca é demais lembrar

que vale mesmo a pena passar pelo Centro Português de Fotografia para ver a colecção do Institut Valencià d´Art Modern.

Uma das minhas favoritas em exposição:


(c) Robert Frank,
U.S. 285, New Mexico, 1955.


Long shot night road arrowing forlorn into immensities and flat of impossible-to-believe America in New Mexico under the prisoner's moon.
Jack Kerouac.

Turn up the radio

Quem sintonizar, neste domingo, a 2FM , às 20h00 (hora irlandesa), terá a sorte de ouvir P. J. Harvey, aquando de Oxegen Festival 2004, nos verdes vales de Yeats.

truth

O rebanho é os meus pensamentos

será que as palavras são como tamancos a soar como destino? serão os tamancos do fandago? serão os tamancos de uma mulher vermeeriana? será que os tamancos é uma metáfora de um poema zen? ou será somente sabotagem com o fiel patrocínio do ginger ale da schwepp?

terça-feira, maio 03, 2005

La Rivoluzione siamo noi


Joseph Beuys, The Revolution is Us, 1972.

audiobooks

Os audiobooks são um sucesso de venda nos Estados Unidos e já são muitos os sites relativos à venda de livros, que já tenha à disposição, por um clique de 30 segundos ou pouco mais a audição de certo livro. Ponho-me a imaginar como serão as audições de "Ulisses", "Dom Quixote",entre outros, por esse formato. E os romances de Thomas Bernhard e Samuel Beckett, como serão? Sei que os audiobooks fazem cada vez mais parte de uma nova geração ipódica. Agora, não sei como funciona, penso num romance de José Luís Peixoto, que tem a frase "quero morrer" tatuada obsessivamente em duas páginas inteiras, não sei como seria em formato sonoro.

Acho que os audiobooks devem ser óptimos para os livros de auto ajuda. Quanto aos outros, prefiro lê-los do que ouvi-los.

habilitando-me a 2 posts de Robert Bresson

vidas e músicas

Já sei que tens a tv mais para aquário do que outra coisa qualquer e que só a ligas quando há sapateado, eheh, mas Ana, fogo, é um concerto e um documentário sobre Keith Jarrett, já no próximo domingo, no canal dois, desde às 23h30 até às duas da manhã.

Fragmentos

Ha passado algún tiempo. El tiempo pasa y no deja nada. Lleva, arrastra muchas cosas consigo. El vacío, deja el vacío. Dejarse vaciar por el tiempo como se dejan vaciar los pequeños crusáceos y moluscos por el mar. El tiempo es como el mar. Nos va gastando hasta que somos transparentes. Nos da la transparencia para que el mundo pueda verse a través de nosotros o pueda oírse como oímos el sempiterno rumor del mar en la concavidad de una caracola. El mar, el tiempo, alrededores de lo que no podemos medir y nos contiene.

(Desde el otro costado)

José Ángel Valente, Fragmentos de un libro futuro.

segunda-feira, maio 02, 2005

Já falta pouco

Sobre o trabalho que traz para o Festival Codex, The end of the moon, Laurie Anderson escreve que "I find that the best way to look at our culture these days is not through a multi media show, but with the simpler and sharper tools of words.".
Ela conta-nos mais nesta entrevista.
O que sublinho, o seguinte, é o lado errante de Laurie Anderson, fazer das suas caminhadas, sem objectivo nenhum, sem mapas,“oh, this is beautiful”.
A artista vai aproveitar a vinda ao Porto para caminhar até a Casa da Música, onde bem podia ser o concerto.



I know you’re doing a walking project as well. Taking these ten-day walks. Is this connected to the French radio project?


Laurie Anderson: Well it started that way. I was in Milan, and I had just finished months of recording and I suddenly thought, maybe I should walk to Paris to mix this.Because walking is a lot like writing a diary are similar. You don’t know what’s going to happen next, and doing a diary is completely bizarre – there’s absolutely no plot, and these people appear, and you’re reading it and yousay, wow I didn’t realize that so and so was going to be so important to me-Anyway, the problem with walking to Paris was the Alps. Which was a major problem.

os errantes- I



Hamilton Fulton, "walking artist", tem a filosofia "no walk, no work".

An artwork cannot re-present the experience of a walk

The texts are facts for the walker and fiction for everyone else

The location of the walk is not in the gallery and the walk itself is a past event

Only make art resulting from the experience of individual walks

An object cannot compete with an experience

Change perceptions - not the “landscape”

Walks are like clouds they come and go

All my walks are related from the first to the last

Each walk marks the flow of time between birth and death


Hamish Fulton: Walking as Knowing as Making

Entre a Torre de Babel e D.Quixote

domingo, maio 01, 2005

de volta


Foi e continua a ser a tónica músical predominante dos últimos dias, os lados b e as raridades de Nick Cave. Agora, com a confirmação da actuação do cantor no Festival Paredes de Coura, ainda dá mais vontade de ouvi-lo.
Também seria uma boa altura para se assistir ao filme, com argumento de Nick Cave e realização de John Hillcoat, The Proposition.

postal vermelho

(...) abre um caderno, à toa, em busca de uma frase que a pudesse desancorar de qualquer poço de momento, passeiou os olhos e leu: quando viajamos no mundo, não sabemos quem fomos.

para um começo

Li algures que Nietzsche dizia que alguém que não escrevesse livros, que pensasse muito, e que vivesse numa sociedade insatisfeito, só poderia ser um bom escritor de cartas.

Maio


(C. monogyna)

Gosto de sentir o mês de Maio como uma estação de transbordo.