segunda-feira, fevereiro 28, 2005
terça-feira, fevereiro 22, 2005
Million Dollar Baby
Frankie Dunn: You forgot the rule. Now, what is the rule?
Maggie Fitzgerald: Keep my left up?
Frankie Dunn: Is to protect yourself at all times. Now, what is the rule?
Maggie Fitzgerald: Protect myself at all times.
Frankie Dunn: Good. Good.
Tenho a certeza que Million Dollar Baby (de Clint Eastwood) ficará por muito e muito tempo na minha cabeça. E como o filme ainda está muito fresco, só consigo dizer que é uma obra-prima.
Passagem
Joseph Brodsky, Leningrad, 1964. Foto de Lev Poliakov.
"All my poems are more or less about the same thing – about Time. About what time does to Man."
Joseph Brodsky
Remembering Joseph Brodsky, por Cissie Dore Hill.
Emotional Weather Report
late night and early morning low clouds
with a chance of fog
chance of showers into the afternoon
with variable high cloudiness
and gusty winds, gusty winds
at times around the corner of
Sunset and Alvorado
things are tough all over
when the thunder storms start
increasing over the southeast
and south central portions
of my apartment, I get upset
and a line of thunderstorms was
developing in the early morning
ahead of a slow moving coldfront
cold blooded
with tornado watches issued shortly
before noon Sunday, for the areas
including, the western region
of my mental health
and the northern portions of my
ability to deal rationally with my
disconcerted precarious emotional
situation, it's cold out there
colder than a ticket taker's smile
at the Ivar Theatre, on a Saturday night
flash flood watches covered the
southern portion of my disposition
there was no severe weather well
into the afternoon, except for a lone gust of
wind in the bedroom
in a high pressure zone, covering the eastern
portion of a small suburban community
with a 103 and millibar high pressure zone
and a weak pressure ridge extending from
my eyes down to my cheeks cause since
you left me baby
and put the vice grips on my mental health
well the extended outlook for an
indefinite period of time until you
come back to me baby is high tonight
low tomorrow, and precipitation is
expected
Tom Waits, Nighthawks at the dinner.
with a chance of fog
chance of showers into the afternoon
with variable high cloudiness
and gusty winds, gusty winds
at times around the corner of
Sunset and Alvorado
things are tough all over
when the thunder storms start
increasing over the southeast
and south central portions
of my apartment, I get upset
and a line of thunderstorms was
developing in the early morning
ahead of a slow moving coldfront
cold blooded
with tornado watches issued shortly
before noon Sunday, for the areas
including, the western region
of my mental health
and the northern portions of my
ability to deal rationally with my
disconcerted precarious emotional
situation, it's cold out there
colder than a ticket taker's smile
at the Ivar Theatre, on a Saturday night
flash flood watches covered the
southern portion of my disposition
there was no severe weather well
into the afternoon, except for a lone gust of
wind in the bedroom
in a high pressure zone, covering the eastern
portion of a small suburban community
with a 103 and millibar high pressure zone
and a weak pressure ridge extending from
my eyes down to my cheeks cause since
you left me baby
and put the vice grips on my mental health
well the extended outlook for an
indefinite period of time until you
come back to me baby is high tonight
low tomorrow, and precipitation is
expected
Tom Waits, Nighthawks at the dinner.
segunda-feira, fevereiro 21, 2005
último minuto: publiclix
Ena, ena, até o jornal O Público tem cara lavada, mas com o "creme" facial "Clix".
Que chic clix! Não vejo a última hora.
Que chic clix! Não vejo a última hora.
Sublinho
É sábado, alguém compra uma parafernália de brindes que acompanham habitualmente os nossos jornais. Em particular, livros, discos, DVD. Nos últimos tempos, são sobretudo discos. Anteontem houve um jornal que lançou uma breve selecção de peças de Chopin (os concertos para violino?). Hoje outro jornal da concorrência, que propõe uma série de discos dedicados a compositores, e aparece também o nome de Chopin.
O comprador de sábado que está antes de mim analisa as diversas ofertas e diz: "Chopin? Já tenho!" Nem se dignou a ver o que se tocava, nem quais eram os intérpretes. Viu Chopin e concluiu de imediato: já tenho.
É interessante notar o que está aqui em jogo: o prazer da colecção. Mas não só. O que este comprador pretende é ter qualquer coisa que lhe dê a sensação de que o mundo todo do saber e do prazer da música está à sua disposição. Coleccionar é poder reunir aquilo que figuras desconhecidas nos dizem ser o essencial. O resto é secundário. Nenhum prazer da descoberta. Nenhum gosto da audição infinita. Nenhuma deambulação no mundo da música. Apenas o aspecto enciclopédico de quem tem uma estante com os livros essenciais, e os discos, e as reproduções, e os filmes. Em certa medida, é o saber que se joga contra a morte. Fazer uma colecção é impedir o sem limite da morte, é concentrar aquilo que na cultura nos irá proteger. Seja coleccionar moedas ou discos com a música que não se pode perder. Cada moeda perdida destrói-nos um pouco mais. Uma moeda, uma letra, um som.
por Eduardo Prado Coelho, hoje, no Público.
O comprador de sábado que está antes de mim analisa as diversas ofertas e diz: "Chopin? Já tenho!" Nem se dignou a ver o que se tocava, nem quais eram os intérpretes. Viu Chopin e concluiu de imediato: já tenho.
É interessante notar o que está aqui em jogo: o prazer da colecção. Mas não só. O que este comprador pretende é ter qualquer coisa que lhe dê a sensação de que o mundo todo do saber e do prazer da música está à sua disposição. Coleccionar é poder reunir aquilo que figuras desconhecidas nos dizem ser o essencial. O resto é secundário. Nenhum prazer da descoberta. Nenhum gosto da audição infinita. Nenhuma deambulação no mundo da música. Apenas o aspecto enciclopédico de quem tem uma estante com os livros essenciais, e os discos, e as reproduções, e os filmes. Em certa medida, é o saber que se joga contra a morte. Fazer uma colecção é impedir o sem limite da morte, é concentrar aquilo que na cultura nos irá proteger. Seja coleccionar moedas ou discos com a música que não se pode perder. Cada moeda perdida destrói-nos um pouco mais. Uma moeda, uma letra, um som.
por Eduardo Prado Coelho, hoje, no Público.
domingo, fevereiro 20, 2005
Um travelling de
Un étranger
Produz uma certa melancolia
uma tristeza decadente-literária sem dúvida-
como certas canções de entre-guerras
ou páginas perdidas de Drieu de la Rochelle,
ver um homem só, isolado e distante,
na barra de um bar com uma decoração internacional.
Nessa idade imprecisa, tão imprecisa como a luz ambiente,
em que já não é jovem nem é ainda velho,
mas já brilha nos seus olhos o timbre da derrota,
quando com um gesto estudado acende um cigarro.
As muitas imperiais e as camas de sobra,
a barriga proeminente que a camisa inglesa apenas disfarça,
o tremor, não de imediato visível, da mão que segura o copo,
a sua parte do naufrágio, ressaca da vida.
Um homem à espera sabe-se lá de quê
que, enquanto aspira o fumo, olha com declarada indiferença
as garrafas defronte, os rostos que um espelho reflecte,
tudo com a especial irrealidade da fotografia.
E mais triste ainda, um longo e reprimido suspiro,
ver no fundo desse copo-caleidoscópio mágico-
que esse homem és tu, irremediavelmente tu.
Não resta então mais nada senão um sorriso céptico e distante
-aprendido muito cedo e útil malditos anos depois-
e de um grande trago acabar a bebida
pagar a conta enquanto pedes um táxi
e dizeres-te adeus com palavras banais.
Juan Luis Panero, Antes que chegue a noite (antologia), versões de António Cabrita e Teresa Noronha, Tusquet Editores & Fenda Edições, Lisboa, 2000.
Produz uma certa melancolia
uma tristeza decadente-literária sem dúvida-
como certas canções de entre-guerras
ou páginas perdidas de Drieu de la Rochelle,
ver um homem só, isolado e distante,
na barra de um bar com uma decoração internacional.
Nessa idade imprecisa, tão imprecisa como a luz ambiente,
em que já não é jovem nem é ainda velho,
mas já brilha nos seus olhos o timbre da derrota,
quando com um gesto estudado acende um cigarro.
As muitas imperiais e as camas de sobra,
a barriga proeminente que a camisa inglesa apenas disfarça,
o tremor, não de imediato visível, da mão que segura o copo,
a sua parte do naufrágio, ressaca da vida.
Um homem à espera sabe-se lá de quê
que, enquanto aspira o fumo, olha com declarada indiferença
as garrafas defronte, os rostos que um espelho reflecte,
tudo com a especial irrealidade da fotografia.
E mais triste ainda, um longo e reprimido suspiro,
ver no fundo desse copo-caleidoscópio mágico-
que esse homem és tu, irremediavelmente tu.
Não resta então mais nada senão um sorriso céptico e distante
-aprendido muito cedo e útil malditos anos depois-
e de um grande trago acabar a bebida
pagar a conta enquanto pedes um táxi
e dizeres-te adeus com palavras banais.
Juan Luis Panero, Antes que chegue a noite (antologia), versões de António Cabrita e Teresa Noronha, Tusquet Editores & Fenda Edições, Lisboa, 2000.
Carson McCullers
(19 deFevereiro , 1917 - 29 de Setembro , 1967)
she died of alcoholism
wrapped in a blanket
on a deck chair
on an ocean
steamer.
all her books of
terrified loneliness
all her books about
the cruelty
of loveless love
were all that was left
of her
as the strolling vacationer
discovered her body
notified the captain
and she was quickly dispatched
to somewhere else
on the ship
as everything
continued just
as
she had written it
Charles Bukowski
"There's nothing that makes you so aware of the improvisation of human existence as a song unfinished. Or an old address book. "
Carson McCullers
she died of alcoholism
wrapped in a blanket
on a deck chair
on an ocean
steamer.
all her books of
terrified loneliness
all her books about
the cruelty
of loveless love
were all that was left
of her
as the strolling vacationer
discovered her body
notified the captain
and she was quickly dispatched
to somewhere else
on the ship
as everything
continued just
as
she had written it
Charles Bukowski
"There's nothing that makes you so aware of the improvisation of human existence as a song unfinished. Or an old address book. "
Carson McCullers
sábado, fevereiro 19, 2005
under electric light
E Eduardo Prado Coelho disse tudo sobre "Publique".
[Sala cheia. Ao meu lado, espanhóis. Atrás de mim, franceses.]
[Sala cheia. Ao meu lado, espanhóis. Atrás de mim, franceses.]
quinta-feira, fevereiro 17, 2005
O Público dança hoje com PJ Harvey
Dancing in circles on the kitchen floor
I'll play this song 'til I can't take anymore
PJ Harvey, Cat on the Wall
Hoje, logo à noite, 21h30, a peça da coreógrafa francesa Mathilde Monnier chegará ao Riovli, "Publique", uma peça feminina em que assenta o universo musical de PJ Harvey.
Eu lá estarei, sem falta.
A PJ tem vários rostos, várias facetas. Ela é muitas mulheres numa só - terna, áspera, dura, frágil... Uma mulher diferente para cada momento. E a sua música mostra-nos isso - vive disso. Além disso, gosto do som que cria, sobretudo da sua voz. O universo de palavras é também muitíssimo interessante. A forma como PJ Harvey mistura todas estas coisas - a música, a voz e a palavra - é extremamente pessoal, identificativa. Ao mesmo tempo, os lugares que atravessa, as cidades, os espaços geográficos, os ambientes são comuns. Mas, a forma que tem de os ver e mostrar é sempre muito singular, sensual, mesmo erótica. É a visão de uma mulher que não tem qualquer receio de falar da sexualidade feminina e de a cantar. No mundo do rock não há muitas mulheres como ela.
Mathilde Monnier, no Y.
Spazieren
Thomas Bernhard adorava passear e não queria saber nada da literatura.
Whereas, before Karrer went mad, I used to go walking with Oehler only on Wednesdays, now I go walking--now that Karrer has gone mad--with Oehler on Monday as well.
Thomas Bernhard, Walking
Whereas, before Karrer went mad, I used to go walking with Oehler only on Wednesdays, now I go walking--now that Karrer has gone mad--with Oehler on Monday as well.
Thomas Bernhard, Walking
segunda-feira, fevereiro 14, 2005
Ensaios
Hey Alexandra, já está à venda os ensaios de Luís Miguel Nava. "Ensaios Reunidos", pela a mão da Assírio & Alvim. Vi-o no passado sábado na montra da livraria Latina. :-)
Post que ia ficar para amanhã
Não queria dizer, mas tem de ser. A Cinemateca Portuguesa (de Lisboa) está com uma campanha de marketing agressiva, poderosa, forte, acutilante, massiva, estrondosa, ou melhor, não sei melhor. O que é isto??????????????? E isto???
Dia das mentiras
Dan Brown não está satisfeito com o êxito dos seus best-sellers, que estão a tornar-se best-long-sellers, e por isso mesmo, já está em engrenagem o seu próximo livro sobre os segredos das origens de São Valentim. Já consigo imaginar o primeiro parágrafo.
domingo, fevereiro 13, 2005
Errando
Vou ali tomar a linha 3 e já volto. Era giro se houvesse uma central blogger portuguesa, por cidades e depois por ruas. Agora não sei se essas ruas seriam imaginárias, ou não.
Amie
Nothing unusual, nothing strange
Close to nothing at all
The same old scenario, the same old rain
And there's no explosions here
Then something unusual, something strange
Comes from nothing at all
I saw a spaceship fly by your window
Did you see it disappear?
Amie come sit on my wall
And read me the story of O
And tell it like you still believe
That the end of the century
Brings a change for you and me
Nothing unusual, nothing's changed
Just a little older that's all
You know when you've found it,
There's something I've learned
'Cause you feel it when they take it away
Something unusual, something strange
Comes from nothing at all
But I'm not a miracle
And you're not a saint
Just another soldier
On the road to nowhere
Amie come sit on my wall
And read me the story of O
And tell it like you still believe
That the end of the century
Brings a change for you and me
And Amie come sit on my wall
And read me the story of O
And tell it like you still believe
That the end of the century
Brings a change for you and me
Damien Rice
Pode ser sem título
Fiquei sem internet, até alguns minutos atrás, o que deu para fazer, hoje, outras tarefas domésticas, tais como: ir em direcção ao mar; escutar o mar; comer um gelado, muito mais longe de casa; não tirar uma única fotografia e ter as principais na cabeça; desviar pensamentos; esquecer que o el país trazia hoje, gratuitamente um livrinho de 700 receitas italianas e não poder comprar (eheh, fogo, e logo a cozinha italiana!!!!!!!!! ); ouvir até exaustão o Damien Rice (tudo por culpa do filme "Closer", que vi ontem); chatear-me com o Word, pela 167ª vez;;;; Entre outras tarefas.
sábado, fevereiro 12, 2005
sexta-feira, fevereiro 11, 2005
quarta-feira, fevereiro 09, 2005
Juliette Binoche
Para quando um pack de dvds com todos os filmes (tirando o Chocolate) de Juliette Binoche????????????
[Alice et Martin ]
[Les amants du Pont Neuf ]
[Blue]
[Code Inconnu]
[Décaloge Horaire]
[Un divan à New York]
[Les Enfants du Siecle]
[Le Hussard sur le toit]
[Les Hauts de Hurlevent]
[Fatale]
[In my country]
[L´Insoutenable légèreté de l´être]
[Mon beau frère a tué ma soeur ]
[Mauvais Sang]
[Le Patient Anglais]
[La veuvre de ST Pierre]
[Alice et Martin ]
[Les amants du Pont Neuf ]
[Blue]
[Code Inconnu]
[Décaloge Horaire]
[Un divan à New York]
[Les Enfants du Siecle]
[Le Hussard sur le toit]
[Les Hauts de Hurlevent]
[Fatale]
[In my country]
[L´Insoutenable légèreté de l´être]
[Mon beau frère a tué ma soeur ]
[Mauvais Sang]
[Le Patient Anglais]
[La veuvre de ST Pierre]
Depois do Valor
Chocolate Voodoo Doll
Ever been burned by a bad relationship, or wanted to get back at your lousy boss or a conniving coworker? Break out our new Chocolate Voodoo Doll and exact some sweet revenge!
[ Via Wishingfish]
Ever been burned by a bad relationship, or wanted to get back at your lousy boss or a conniving coworker? Break out our new Chocolate Voodoo Doll and exact some sweet revenge!
[ Via Wishingfish]
I don´t know why
Não sei de nada. Agora objecto com "vida" é que está com tudo. Saleiro que abraça o pimenteiro (ver imagem anterior). Aspirador que canta; ralo que assobia; mesa que dança; cadeira que filosofa; chuveiro que passeia; tábua de ferro que só decora a sala, e e e e e.
Nota alta
[via wishingfish ]
Não sei se já estreou em Portugal as tais lojas "pop-up". Calculo que não.
Suponho que o mês de Fevereiro seria um dos mais acertados.
Segredo
A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.
Carlos Drummond de Andrade
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.
Carlos Drummond de Andrade
terça-feira, fevereiro 08, 2005
Matiné: Cat People
But black sin hath betrayed to endless night
My world, both parts, and both parts must die.
John Donne - Holy Sonnets, V.
Que pedra é esta?
Por causa da passagem (muito breve, para o meu gosto) de Wisława Szymborska, pela errância, a Dueto deixou na caixinha de mensagens, a pergunta seguinte, resgatada do passado, acerca do próximo poema: "Então, quem me explica que pedra é esta?"
Conversa com a pedra
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
Quero penetrar no teu interior,
olhar ao redor,
prender-te como a respiração.
- Sai - diz a pedra.
Sou hermeticamente fechada.
Mesmo quebradas em pedaços
vamos ficar hermeticamente fechadas.
Mesmo trituradas em grãos
não vamos deixar ninguém entrar.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
Venho por curiosidade pura.
A vida é a única ocasião para ela.
Pretendo passear pelo teu palácio,
e depois visitar a folha e a gota d’água.
Não tenho muito tempo para tanto.
Minha mortalidade deveria te comover.
- Sou de pedra - diz a pedra -
e sou obrigada a manter a seriedade.
Sai daqui.
Não tenho os músculos do riso.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
Ouvi dizer que em ti há grandes salas vazias,
nunca vistas, inutilmente lindas,
surdas, sem eco de passos de quem quer que seja.
Reconhece, tu mesma não sabes muito sobre isto.
- Salas grandes e vazias - diz a pedra -
mas nelas lugar não há.
Lindas, talvez, mas além do gosto
de teus pobres sentidos.
Podes me conhecer, mas me provar nunca.
Com toda a minha superfície me volto para ti,
mas com todo o meu interior te dou as costas.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
Não busco em ti um refúgio para a eternidade.
Não sou infeliz.
Não estou desabrigada.
Meu mundo é digno de retorno.
Vou entrar e sair com as mãos vazias.
E como prova de que realmente estive presente,
não vou mostrar nada além de palavras
às quais ninguém dará fé.
- Não vais entrar - diz a pedra -
Falta a ti o sentido da participação.
Nenhum sentido substitui o sentido da participação.
Mesmo a visão elevada até à clarividência
não serve para nada sem o sentido da participação.
Não vais entrar, tens apenas uma noção deste sentido,
apenas o seu germe, sua imagem.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
Não posso esperar dois mil séculos
para entrar debaixo do teu teto.
Se não crês em mim - diz a pedra -
Dirige-te à folha, ela te dirá o mesmo que eu,
e à gota d’água, que te dirá o mesmo que a folha.
Por fim pergunta aos fios de teu próprio cabelo.
Um riso se alarga em mim, um riso, um riso enorme,
que eu não sei rir.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
- Não tenho porta - diz a pedra.
Wisława Szymborska,
tradução foi "roubada" aqui.
Conversa com a pedra
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
Quero penetrar no teu interior,
olhar ao redor,
prender-te como a respiração.
- Sai - diz a pedra.
Sou hermeticamente fechada.
Mesmo quebradas em pedaços
vamos ficar hermeticamente fechadas.
Mesmo trituradas em grãos
não vamos deixar ninguém entrar.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
Venho por curiosidade pura.
A vida é a única ocasião para ela.
Pretendo passear pelo teu palácio,
e depois visitar a folha e a gota d’água.
Não tenho muito tempo para tanto.
Minha mortalidade deveria te comover.
- Sou de pedra - diz a pedra -
e sou obrigada a manter a seriedade.
Sai daqui.
Não tenho os músculos do riso.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
Ouvi dizer que em ti há grandes salas vazias,
nunca vistas, inutilmente lindas,
surdas, sem eco de passos de quem quer que seja.
Reconhece, tu mesma não sabes muito sobre isto.
- Salas grandes e vazias - diz a pedra -
mas nelas lugar não há.
Lindas, talvez, mas além do gosto
de teus pobres sentidos.
Podes me conhecer, mas me provar nunca.
Com toda a minha superfície me volto para ti,
mas com todo o meu interior te dou as costas.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
Não busco em ti um refúgio para a eternidade.
Não sou infeliz.
Não estou desabrigada.
Meu mundo é digno de retorno.
Vou entrar e sair com as mãos vazias.
E como prova de que realmente estive presente,
não vou mostrar nada além de palavras
às quais ninguém dará fé.
- Não vais entrar - diz a pedra -
Falta a ti o sentido da participação.
Nenhum sentido substitui o sentido da participação.
Mesmo a visão elevada até à clarividência
não serve para nada sem o sentido da participação.
Não vais entrar, tens apenas uma noção deste sentido,
apenas o seu germe, sua imagem.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
Não posso esperar dois mil séculos
para entrar debaixo do teu teto.
Se não crês em mim - diz a pedra -
Dirige-te à folha, ela te dirá o mesmo que eu,
e à gota d’água, que te dirá o mesmo que a folha.
Por fim pergunta aos fios de teu próprio cabelo.
Um riso se alarga em mim, um riso, um riso enorme,
que eu não sei rir.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, deixa-me entrar.
- Não tenho porta - diz a pedra.
Wisława Szymborska,
tradução foi "roubada" aqui.
segunda-feira, fevereiro 07, 2005
Um marciano manda um postal para casa
Caxtons são pássaros messiânicos de muitas asas
e alguns são muito apreciados pela coloração -
fazem os olhos derreter-se
ou o corpo gemer de dor.
Nunca vi nenhum voar, mas
vezes pousam na mão.
Névoa é quando o céu está cansado de voar
e descansa no chão a máquina macia:
então fica o mundo baço e livresco,
como gravuras sob papel de seda.
A chuva é quando a terra é televisão.
Tem a propriedade de tornar as cores mais escuras.
O Modelo T é um quarto com fechadura dentro -
dá-se a volta à chave e o mundo fica livre
para o movimento, tão veloz que há um filme
para ver tudo o que passou despercebido.
Mas o tempo está atado ao pulso
ou guardado numa caixa, fazendo um tiquetaque de impaciência.
Em lares, dorme um utensílio assombrado
que ressona quando alguém lhe pega.
Se o fantasma chora, levam-no
aos lábios e sossegam-no com sons
até dormir de novo. E no entanto acordam-no
de propósito, fazendo-lhe cócegas com um dedo.
Só às crianças se permite que sofram
em público. Os adultos vão para um quarto de castigo
com água, mas sem nada de comer.
Fecham a porta à chave e sofrem sozinhos
os barulhos. Ninguém está dispensado,
e a dor de cada um tem um cheiro diferente.
À noite, quando as cores todas morrem,
escondem-se aos pares
e lêem acerca de si próprios
a cores, de pálpebras cerradas.
Craig Raine,
em "LEITURAS poemas do inglês",
tradução de João Ferreira Duarte,
Relógio de Água, 1993.
e alguns são muito apreciados pela coloração -
fazem os olhos derreter-se
ou o corpo gemer de dor.
Nunca vi nenhum voar, mas
vezes pousam na mão.
Névoa é quando o céu está cansado de voar
e descansa no chão a máquina macia:
então fica o mundo baço e livresco,
como gravuras sob papel de seda.
A chuva é quando a terra é televisão.
Tem a propriedade de tornar as cores mais escuras.
O Modelo T é um quarto com fechadura dentro -
dá-se a volta à chave e o mundo fica livre
para o movimento, tão veloz que há um filme
para ver tudo o que passou despercebido.
Mas o tempo está atado ao pulso
ou guardado numa caixa, fazendo um tiquetaque de impaciência.
Em lares, dorme um utensílio assombrado
que ressona quando alguém lhe pega.
Se o fantasma chora, levam-no
aos lábios e sossegam-no com sons
até dormir de novo. E no entanto acordam-no
de propósito, fazendo-lhe cócegas com um dedo.
Só às crianças se permite que sofram
em público. Os adultos vão para um quarto de castigo
com água, mas sem nada de comer.
Fecham a porta à chave e sofrem sozinhos
os barulhos. Ninguém está dispensado,
e a dor de cada um tem um cheiro diferente.
À noite, quando as cores todas morrem,
escondem-se aos pares
e lêem acerca de si próprios
a cores, de pálpebras cerradas.
Craig Raine,
em "LEITURAS poemas do inglês",
tradução de João Ferreira Duarte,
Relógio de Água, 1993.
Some Limits of Reason
Julião Sarmento, I Love You (with chairs),2004.
Li há instantes as notícias de Storm Magazine, de Fevereiro. E destaquei esta:
Julião Sarmento - SOME LIMITS OF REASON - 11 Março- 23 Abril -Sean Kelly Gallery
Julião Sarmento apresenta novos trabalhos: nove pinturas “mixed media” e três importantes esculturas. Uma exposição dedicada à Transgressão e “iluminada” pela transcrição de fragmentos do texto de Michel Foucault – publicados postumamente – em torno de Georges Bataille.
I don´t know why
[falta aqui a foto]
É mesmo!!!! Nos canteiros das avenidas e de algumas ruas do Porto, perfilam-se tulipas, amarelas, vermelhas (tenho de confirmar as outras cores. (eheh) ). Não há tulipas azuis, mas isso uma pessoa já sabe porquê.
É mesmo!!!! Nos canteiros das avenidas e de algumas ruas do Porto, perfilam-se tulipas, amarelas, vermelhas (tenho de confirmar as outras cores. (eheh) ). Não há tulipas azuis, mas isso uma pessoa já sabe porquê.
Slogan
de que gosto muito:
"Tome conta do futuro antes que o futuro tome conta de si"
(‘Take hold of the future or the future will take hold of you’)
de um dos consagrados futuristas, Patrick Dixon.
"Tome conta do futuro antes que o futuro tome conta de si"
(‘Take hold of the future or the future will take hold of you’)
de um dos consagrados futuristas, Patrick Dixon.
Falta
Ao par de Maria Gabriela Llansol, Rui Nunes é das vozes que mais me seduz da actual ficção portuguesa. É sabido que a estrutura, de que é feita os seus romances, é difícil e que as suas vozes são pautadas pela morte, pelo sofrimento, pela dor e pela solidão. Daí eu achar que os seus leitores não serão muitos, que é uma pena.
Tudo isto para dizer também, que falta uma quinzena, para sair o seu próximo romance, "O Mensageiro Diferido", pela Relógio d'Água. Que bom!!!
Tudo isto para dizer também, que falta uma quinzena, para sair o seu próximo romance, "O Mensageiro Diferido", pela Relógio d'Água. Que bom!!!
Vontade
A minha vontade é a mesma que deixei ontem o blogue. A de encher o blogue, nos posts seguintes, só com poemas de Wisława Szymborska. De qualquer modo, este último site linkado é mais do que excelente,já deu para me "perder" bastante.
O Céu
© Raymond Depardon / MAGNUM, Paris .
Era por aí que se devia ter começado: o céu.
Janela sem parapeito, sem caixilho, sem vidros.
Abertura e nada mais, para além dela,
de par em par aberta todavia.
Não tenho que esperar uma noite calma
nem de levantar a cabeça
para olhar o céu.
O céu tenho-o à mão,
atrás de mim, nas minhas pálpebras.
Hermeticamente, o céu me envolve
e me levanta do chão.
Nem mesmo os mais altos cumes
ficam mais perto do céu
que os vales mais profundos.
Em lugar algum ele existe mais
que nalgum outro.
E em rigor tão coberta de céu está a nuvem
como o túmulo.
Tão do céu é a toupeira
como a coruja de asas lestas.
E coisa que caia em precipício
cai do céu para o céu.
Soltos, fluidos, rochosos,
coruscantes e etéreos
abas de céu, sobras de céu,
sopros de céu e medas.
O céu é omnipresente
até nas escuridões sob a pele.
Eu como o céu, expulso o céu.
Eu sou armadilha na armadilha,
o habitante habitado,
o possuído da posse,
pergunta em resposta a uma pergunta.
Dividir em terra e céu
não é a maneira certa
de pensar nesta unidade.
Permite- me apenas viver,
em morada mais exacta,
mais rápida de encontrar
se eu fosse procurada.
Os meus sinais particulares
são o fascínio e o desespero.
Wisława Szymborska
EmPaisagem com grão de areia, Relógio d’Água, Lisboa, 1998.
The Three Oddest Words
When I pronounce the word Future,
the first syllable already belongs to the past.
When I pronounce the word Silence,
I destroy it.
When I pronounce the word Nothing,
I make something no non-being can hold.
Wislawa Szymborska
(traduzido por S. Baranczak & C. Cavanagh)
domingo, fevereiro 06, 2005
Matiné: All About Eve
Dizer que adoro, adoro ver Bette Davis a interpretar Margo Channing é dizer muito pouco. Ela era estupenda e Mankiewicz era um génio.
Queria trazer o script do filme todo, só que não dá, fica mesmo uma azeitona, como aperitivo. E que azeitona! (eheh)
Margo Channing: Funny business, a woman's career, the things you drop on the way up the ladder so you can move faster. You forget you'll need them again when you get back to being a woman. It's one career all females have in common - being a woman. Sooner or later we've got to work at it no matter how many other careers we've had or wanted. And in the last analysis nothing is any good unless you can look up just before dinner or turn around in bed and there he is. Without that you're not a woman. You're something with a French provincial office or a book full of clippings but you're not a woman. Slow, curtain, the end.
Queria trazer o script do filme todo, só que não dá, fica mesmo uma azeitona, como aperitivo. E que azeitona! (eheh)
Margo Channing: Funny business, a woman's career, the things you drop on the way up the ladder so you can move faster. You forget you'll need them again when you get back to being a woman. It's one career all females have in common - being a woman. Sooner or later we've got to work at it no matter how many other careers we've had or wanted. And in the last analysis nothing is any good unless you can look up just before dinner or turn around in bed and there he is. Without that you're not a woman. You're something with a French provincial office or a book full of clippings but you're not a woman. Slow, curtain, the end.
The Beekeeper's Daughter
A garden of mouthings. Purple, scarlet-speckled, black
The great corollas dilate, peeling back their silks.
Their musk encroaches, circle after circle,
A well of scents almost too dense to breathe in.
Hieratical in your frock coat, maestro of the bees,
You move among the many-breasted hives,
My heart under your foot, sister of a stone.
Trumpet-throats open to the beaks of birds.
The Golden Rain Tree drips its powders down.
In these little boudoirs streaked with orange and red
The anthers nod their heads, potent as kings
To father dynasties. The air is rich.
Here is a queenship no mother can contest
A fruit that's death to taste: dark flesh, dark parings.
In burrows narrow as a finger, solitary bees
Keep house among the grasses. Kneeling down
I set my eyes to a hole-mouth and meet an eye
Round, green, disconsolate as a tear.
Father, bridegroom, in this Easter egg
Under the coronal of sugar roses
The queen bee marries the winter of your year.
Sylvia Plath
The great corollas dilate, peeling back their silks.
Their musk encroaches, circle after circle,
A well of scents almost too dense to breathe in.
Hieratical in your frock coat, maestro of the bees,
You move among the many-breasted hives,
My heart under your foot, sister of a stone.
Trumpet-throats open to the beaks of birds.
The Golden Rain Tree drips its powders down.
In these little boudoirs streaked with orange and red
The anthers nod their heads, potent as kings
To father dynasties. The air is rich.
Here is a queenship no mother can contest
A fruit that's death to taste: dark flesh, dark parings.
In burrows narrow as a finger, solitary bees
Keep house among the grasses. Kneeling down
I set my eyes to a hole-mouth and meet an eye
Round, green, disconsolate as a tear.
Father, bridegroom, in this Easter egg
Under the coronal of sugar roses
The queen bee marries the winter of your year.
Sylvia Plath
Tori Amos: Piece by Piece
Neste mês, para além, do seu mais recente álbum The Beekeeper (lançamento:22 de Fevereiro), Tori Amos dá a conhecer o seu processo criativo- como as suas ideias passam a melodias, a canções e, muito mais do que isso, no seu primeiro livro "Tori Amos: Piece by Piece" (lançamento:8 de Fevereiro), escrito também pela jornalista Ann Powers.
Da introdução:
Now, backstage at an undisclosed arena where the sweat of athletes is still perfuming my makeshift dressing room, my many conversations with Ann Powers have begun . . .
“You come from the journalist side. I come from the artist side. It can become offensive. I’m sure from your side as well as from mine.”
“Well, it’s true everyone expects us to be enemies. And in some ways we are. My job is interpretation. Yours is art, which often benefits from mystery . . .”
Ann and I decided to strip our roles back to basics. We are both women born feminists in the 1960s. We are both married. We are both mothers. We are both in the music industry. Traditionally we are enemies. But for this project to be effective, I had to allow Ann to expose Tori Amos. And Tori Amos’s inner circle. And me.”
sexta-feira, fevereiro 04, 2005
Abbas Kiarostami
Abbas Kiarostami e Youssef Ishaghpour
Capa dura. 328 páginas; 147 ilustrações
É publicado no Brasil o primeiro livro dedicado ao realizador Abbas Kiarostami, pela mão da excelente Cosac & Naif. Para além de toda a filmografia completa e comentada, de três textos do director iraniano , é publicado uma série, As estradas de Kiarostami, de 52 fotos em preto e branco realizadas no Norte do Irã. Para além das suas fotos, ele fala sobre sobre cinema, fotografia, arte e vida na secção do livro intitulada "Duas ou três coisas que sei de mim". Conta também a sua "perseguição" a uma menina de rua na Avenida Paulista, que remexe as lixeiras à procura de comida. E quatro poemas inéditos. E um estudo do Youssef Ishaghpour. E e e e.
Em suma, com todas as letras, imperdível!!!!
Passagem
Do primeiro capítulo de "O real cara e coroa, o cinema de Abbas Kiarostami", de Youssef Ishaghpour
1. Fotografias
Eternidade-de-efêmero: presença-de-ausência da imagem
"Talvez nos reste alguma árvore na colina, onde a possamos rever todos os dias..." (Rilke). A árvore isolada na colina: ela está no centro do caminho traçado por Kiarostami em Onde fica a casa do meu amigo? e no alto da estrada que conduz a busca em E a vida continua. É sob essa "árvore na colina" que o senhor Badii gostaria de ser enterrado em Gosto de cereja, e, no começo de O vento nos levará, uma árvore isolada marca o ponto de onde as colinas descem rumo a esse lugar em que se esclarece a origem do amor de Kiarostami pelas paisagens.
Árvore cósmica, vínculo da terra e do céu, eixo do mundo nas antigas mitologias... agora a árvore talvez seja o que nos restou... A "árvore isolada na colina" tem sido um dos motivos constantes das fotografias de Kiarostami, e isso há vários anos, antes mesmo de aparecer em seus filmes. Expostas em galerias ou bem reproduzidas em um livro, todas elas são fotografias de paisagens: imagens da natureza sem homens, revelando-se ao olhar de uma solidão essencial em busca de absoluto. "Em verdade, é estranho não mais habitar a terra, não praticar mais os costumes recém-aprendidos, não mais conferir às rosas, nem a outras coisas promissoras, a significação de um futuro humano..." (Rilke).
*
"Os primeiros anos da revolução refrearam nosso trabalho. Certo dia em que eu não tinha nada o que fazer, comprei uma câmara Yashica bem barata e tomei o caminho da natureza. Eu queria me confundir com ela. Ela me conduzia. [...] Minhas fotografias não são o resultado de meu amor à fotografia, mas do amor que dedico à natureza. [...] Durante muitos anos eu deixava a cidade e me sentia muito melhor. Observar a natureza era uma espécie de calmante. Ela tem uma influência quase mágica sobre mim." Trata-se então de retornar "às fontes": "Para quem nasceu em um apartamento e está habituado aos grandes edifícios, aos carros, aos engarrafamentos, aos túneis, à linguagem publicitária e cuja vida se passa sob um céu cinzento e encoberto, a natureza tem uma significação inteiramente diversa. Em minha opinião, essa natureza é o oposto da natureza humana e de suas necessidades. Nós tendemos muitas vezes a esquecer essa realidade".
A expressão "natureza oposta à natureza humana" parece ambígua, talvez por conta da tradução. Ela pode significar a idéia comum sobre a "natureza" alienante da moderna vida citadina, estranha à verdadeira natureza do homem. Ou então o "inteiramente outro" da natureza que partilha do sagrado, oposta ao homem na medida em que este, mesmo exilado, não aspira mais a ela, a reencontrar a unidade e a intimidade nessa contemplação-criação que revela a sua beleza.
*
Mas é o "inteiramente outro" - Kiarostami certa vez evocou "a natureza e o ser" - que se pressente diante das fotografias. Sua beleza, a aparição de seu enigma, o visível de seu invisível aparece para o homem como sua própria negação. Nela, ele vê sua própria ausência: a natureza, com o indizível de seu mistério, tendo existido antes dele e lhe sobrevivendo, dispensa-o perfeitamente. Mas se, na contemplação da beleza, o homem sente sua própria solidão de ser mortal, a beleza, em sua aparição, paradoxalmente lhe revela, por via negativa, a sua finitude e a sua eternidade de ser mortal-imortal. O "inteiramente outro" da natureza, separado, intocável, inabordável, essa aparição do longínquo em seu recolhimento só se torna visível graças à discrição, à distância, ao silêncio daquele que vai a seu encontro: por sua intimidade essencial com o numinoso e seu distanciamento de toda condição humana determinada, de todos os vínculos exteriores, por sua própria ausência para si mesmo e sua solidão absoluta. Assim, o próprio efêmero, o "tempo", torna-se imagem da eternidade.
1. Fotografias
Eternidade-de-efêmero: presença-de-ausência da imagem
"Talvez nos reste alguma árvore na colina, onde a possamos rever todos os dias..." (Rilke). A árvore isolada na colina: ela está no centro do caminho traçado por Kiarostami em Onde fica a casa do meu amigo? e no alto da estrada que conduz a busca em E a vida continua. É sob essa "árvore na colina" que o senhor Badii gostaria de ser enterrado em Gosto de cereja, e, no começo de O vento nos levará, uma árvore isolada marca o ponto de onde as colinas descem rumo a esse lugar em que se esclarece a origem do amor de Kiarostami pelas paisagens.
Árvore cósmica, vínculo da terra e do céu, eixo do mundo nas antigas mitologias... agora a árvore talvez seja o que nos restou... A "árvore isolada na colina" tem sido um dos motivos constantes das fotografias de Kiarostami, e isso há vários anos, antes mesmo de aparecer em seus filmes. Expostas em galerias ou bem reproduzidas em um livro, todas elas são fotografias de paisagens: imagens da natureza sem homens, revelando-se ao olhar de uma solidão essencial em busca de absoluto. "Em verdade, é estranho não mais habitar a terra, não praticar mais os costumes recém-aprendidos, não mais conferir às rosas, nem a outras coisas promissoras, a significação de um futuro humano..." (Rilke).
*
"Os primeiros anos da revolução refrearam nosso trabalho. Certo dia em que eu não tinha nada o que fazer, comprei uma câmara Yashica bem barata e tomei o caminho da natureza. Eu queria me confundir com ela. Ela me conduzia. [...] Minhas fotografias não são o resultado de meu amor à fotografia, mas do amor que dedico à natureza. [...] Durante muitos anos eu deixava a cidade e me sentia muito melhor. Observar a natureza era uma espécie de calmante. Ela tem uma influência quase mágica sobre mim." Trata-se então de retornar "às fontes": "Para quem nasceu em um apartamento e está habituado aos grandes edifícios, aos carros, aos engarrafamentos, aos túneis, à linguagem publicitária e cuja vida se passa sob um céu cinzento e encoberto, a natureza tem uma significação inteiramente diversa. Em minha opinião, essa natureza é o oposto da natureza humana e de suas necessidades. Nós tendemos muitas vezes a esquecer essa realidade".
A expressão "natureza oposta à natureza humana" parece ambígua, talvez por conta da tradução. Ela pode significar a idéia comum sobre a "natureza" alienante da moderna vida citadina, estranha à verdadeira natureza do homem. Ou então o "inteiramente outro" da natureza que partilha do sagrado, oposta ao homem na medida em que este, mesmo exilado, não aspira mais a ela, a reencontrar a unidade e a intimidade nessa contemplação-criação que revela a sua beleza.
*
Mas é o "inteiramente outro" - Kiarostami certa vez evocou "a natureza e o ser" - que se pressente diante das fotografias. Sua beleza, a aparição de seu enigma, o visível de seu invisível aparece para o homem como sua própria negação. Nela, ele vê sua própria ausência: a natureza, com o indizível de seu mistério, tendo existido antes dele e lhe sobrevivendo, dispensa-o perfeitamente. Mas se, na contemplação da beleza, o homem sente sua própria solidão de ser mortal, a beleza, em sua aparição, paradoxalmente lhe revela, por via negativa, a sua finitude e a sua eternidade de ser mortal-imortal. O "inteiramente outro" da natureza, separado, intocável, inabordável, essa aparição do longínquo em seu recolhimento só se torna visível graças à discrição, à distância, ao silêncio daquele que vai a seu encontro: por sua intimidade essencial com o numinoso e seu distanciamento de toda condição humana determinada, de todos os vínculos exteriores, por sua própria ausência para si mesmo e sua solidão absoluta. Assim, o próprio efêmero, o "tempo", torna-se imagem da eternidade.
quarta-feira, fevereiro 02, 2005
Don Antonio Machado sentado no estertor da luz
a poeira cai na sala familiar e a claridade do rio
entra pela janela transformando-se em poema
ao pousar no imenso cemitério de papel
a mão lavra a paisagem da memória erguida
da escura noite com suas florestas de sonhos
de resinas e de orvalhos
depois
tudo silencia a pouco e pouco os animais
as sílabas as terras o sofrimento dos homens
os dias só esperados onde me debruço
para a saudade do amado rosto
ofereço-te hoje a vida desta cansada mão
único tesouro que tremula no voo da ave
incendiada à roda da negra cabeça e o vento
dispersa num pranto rouco pelos campos de sória
o triste canto do rouxinol
ao longe don antonio adormece
num ermo de luminosa água e tempo frio
Al Berto, O Medo, Assírio & Alvim.
entra pela janela transformando-se em poema
ao pousar no imenso cemitério de papel
a mão lavra a paisagem da memória erguida
da escura noite com suas florestas de sonhos
de resinas e de orvalhos
depois
tudo silencia a pouco e pouco os animais
as sílabas as terras o sofrimento dos homens
os dias só esperados onde me debruço
para a saudade do amado rosto
ofereço-te hoje a vida desta cansada mão
único tesouro que tremula no voo da ave
incendiada à roda da negra cabeça e o vento
dispersa num pranto rouco pelos campos de sória
o triste canto do rouxinol
ao longe don antonio adormece
num ermo de luminosa água e tempo frio
Al Berto, O Medo, Assírio & Alvim.
i don´t know why
ò douda vulcão, ale (não de ginger eheh), passou por aqui em express service e deixou as suas doudices pegadas e agora não posso comentar nada. a caixinha de comentários deve estar a fazer alguma greve, coisa do género, que ainda não entendi. nao consigo comentar nada. queres antes uma foto?
[numa porta da rua do Breyner, lê-se "tenho chá feito entra", em amarelo. ]
p.s quando é que o chá entra em combustão?? já está arrefecido, se não fazes refresh, bem que ele fica frio frio.ihiih.
[numa porta da rua do Breyner, lê-se "tenho chá feito entra", em amarelo. ]
p.s quando é que o chá entra em combustão?? já está arrefecido, se não fazes refresh, bem que ele fica frio frio.ihiih.
terça-feira, fevereiro 01, 2005
passagem
"E que se analisarmos o nosso corpo só encontramos água e uma dezenas de matérias que nela flutuam. A água sobe em nós exactamente como nas árvores. As criaturas animais, tal como as nuvens, são formadas de água. Acho isto um encanto. Portanto não sabemos muito bem o que havemos de pensar de nós próprios. Nem aquilo que devemos fazer. (...) Ele afirma que desde então as coisas se têm complicado bastante. Assim como flutuamos na água, flutuamos também num oceano de fogo, numa tempestade de electricidade, num céu de magnetismo, num charco de calor e assim por diante. Mas isso não sentimos nós. Numa palavra, só restam fórmulas."
Robert Musil, O homem sem qualidades, Lisboa, Livros do Brasil, pp 77.
Robert Musil, O homem sem qualidades, Lisboa, Livros do Brasil, pp 77.
passagens
então, sábado à noite, lá conheci o novo café do Passos Manuel. ou melhor, conheci como o café do cinema do Passos Manuel fica à noite, poluído de som djmente horrível. sem consumo mínimo, por 50 cêntimos o casaco fica pendurado, candeeiros baixos com lâmpadas redondas, é assim que pousa o primeiro olhar. por detrás do balcão, há dois espaços muito limitado, só mesmo para duas pessoas , e há uma parede falsa. um grupo, dois grupos, três grupos, falam, falam, olá, tudo bem?, como vai a vida?, blá , blá, flirts de sorrisos, de olhares, conversa fiada, conversa para boi dormir, o som é muito horrível, silêncio não existe, só mesmo o pensamento. há uma escada, para baixo, uma pista, um dj, uma mesa de som, quatro pistas, agudo, grave, medio, alto, baixo, grave na direita, agudo na esquerdo, horrível. no final, há sempre o pontual "temos de combinar qualquer coisa". não levantei casaco nenhum, respirava tão bem, apesar de frio, quando saí do café. ufa!!
no dia 5 de fevereiro, há tango, no guarany, entrada gratuita. isso sim!! tango!!
no dia 5 de fevereiro, há tango, no guarany, entrada gratuita. isso sim!! tango!!