Da selecção de fotografias que Paulo Nozolino trouxe para Serralves, há uma pequena parte dos seus 30 anos de fotografia, de viagens que o levou a vários sítios e da sua vida privada. A guerra, a morte, a decadência, o medo, a solidão pautam as suas fotografias escuras, sempre com a luz do grão.
"Não posso salvar uma época. Limito-me a constatar a sua perda, sem nostalgia, resistindo à desmemoria, à frivolidade e ao ressentimento. Sinto-me a viver um pós-guerra qualquer, onde alguns homens tentam reencontrar a sua dignidade, escutando o grito profundo que há dentro deles. A tempo de compreender a vida, antes de a perder" foca o fotógrafo.
No fim da exposição, lê-se algumas frases retiradas de um texto de Rui Nunes,numa parede cinzenta, eis como: "Esta alma ama os destroços", "O choro é sempre um lugar incerto", "Temos medo/Temos sempre medo/ nem a palavra que dizemos em voz baixa nos acompanha". Lê-se por último: "Não há fuga".
Aqui fica o retrato do fugitivo.
Retrato de Fugitivoele caminha pela solidão nocturna dos quartos de hotel
e de fotografia em fotografia chega exausto
ao minucioso poema a preto e branco
mas já não o surpreende a violenta visão do mundo
este lento destroço que um liquido sussurro de prata
revela a partir de iluminada fracção de segundo
e bebe
e ama
e foge de si mesmo
com a leica pronta a ferir como uma bala ecoando
no fundo da memória um néon uma pedra
uma arquitectura de luz e sombra ou um deserto
onde se debruça para retocar os dias com um
lápis
na certeza que sobrevirá a estes perfeitos acidentes
a estes restos de corpos a pouco e pouco turvos
pelo tempo pelo sono ou pela melancolia
mas regressa sempre à transumância das cidades
quando a alba do flash prende o furtivo gesto
sobre o papel fotográfico morre o misterioso fugitivo
depois
vem o medo
que se desprende do olhar imobilizado
e do rosto fotografado
nasce uma vida de infinito caos
Al Berto, O medo, Assírio & Alvim.